12.12.11

Há sempre cartas a jogar

António Alves Redol
(Vila Franca de Xira, 29 de Dezembro de 1911 – Lisboa, 29 de Novembro de 1969)

"Nem todos os homens merecem a mesma sepultura, essa é verdade, por muito que doa aos vivos - disse pela boca de uma das suas personagens — "Na morte não somos, não, não somos todos iguais". Ele bem o sabia, ele que também afirmava: “Há sempre cartas para jogar. Menos a da morte. Percebes?” É perante a morte que um homem se define. António Alves Redol morreu como viveu, com uma discreta grandeza.

No quarto do hospital onde se encontrava internado, desconhecendo exactamente o mal que o consumia, mas sabendo já que pouco tempo teria para viver, Alves Redol lutou sozinho. Só nas últimas noites permitiu que alguém de mais íntimo ficasse junto de si. O seu rosto vincado não fugiu à morte. Apenas julgou poder não acreditar nela.
Morreu Alves Redol, amigos. Morreu um homem. Acompanhamo-lo no seu último passeio, rio acima, marginando o Tejo que ele não voltará a ver, parando nas vilas ribeirinhas, a recolher a última homenagem da gente da beira-mar. Moscavide, Sacavém, Alhandra, Vila Franca de Xira. No pequeno cemitério do alto da colina, batida pelo vento, o seu corpo desceu à terra. Fazia sol, como sublinhou o seu companheiro poeta. Fazia sol, fazia, mas fazia também um frio terrível, que nos doeu o corpo e a alma.
Que tristeza tamanha, amigo! Funda, como o silêncio que encheu as ruas da vila, silenciosa como as lágrimas do velho campino que o conheceu rapaz e agora o viu desaparecer, lívida como os rostos das mulheres que assomavam às janela e às portas para lhe dizer o derradeiro adeus.
Gostava de lhe ter levado um cravo vermelho. Não o fiz. Por pudor, por timidez. Mas gostava, António, palavra que gostava

Maria Antónia Palla, Século Ilustrado, nº1967, Dezembro de 1969

Rua dos dias que voam

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